Produzir leite com qualidade é um bom negócio?

Produzir leite com qualidade é um bom negócio?

12/11/2015

\"Produzir leite com qualidade é apenas um dos subprodutos para gerar lucro na propriedade\"
A resposta ao título parece óbvia. Mas não é. Cansamos de ouvir afirmativas de produtores e até de profissionais da área questionando a viabilidade de produzir leite com qualidade. Sabe-se das imperfeições que ainda regem este assunto na pecuária leiteira. Como exemplos, temos a falta de uma política séria para o setor; o compromisso dos captadores com a qualidade da matéria-prima e do produto final; a fiscalização para fazer valer as regras estabelecidas por parte do poder público e o destino final para o leite fora dos padrões.
Além disso, o cumprimento da legislação independe do período do ano, quando há excesso ou falta de leite no mercado. Esses fatores dificultam ainda mais a consolidação de uma política nacional para a qualidade do leite. Isolando temporariamente essas questões, analisamos os resultados obtidos nas fazendas participantes do Projeto Educampo/Sebrae em Minas
Gerais. Dividimos os produtores em dois grupos: os que já atendem plenamente à normativa IN 62 para a Região Sudeste, a vigorar a partir de julho/2016, e o grupo que ainda não atende a essa norma.
Todos os dados econômicos foram deflacionados para junho de 2015, pelo IGP-DI. Na tabela abaixo, de forma resumida, temos os valores médios de contagem de células somáticas (CCS), contagem bacteriana total (CBT), gordura e proteína das amostras em conformidade e em não conformidade com os valores preconizados na IN62.
Podemos afirmar, e não acreditamos que seja mera coincidência, obra do acaso ou “coisa do destino”, que o grupo de fazendas que atendem à IN 62 é muito mais bem equilibrado tecnicamente do queo que não atende a essa norma. Portanto, é de se esperar que a busca pela melhoria do leite visa beneficiar todos os setores da fazenda. Leite de qualidade e com boa composição é resultado da interação saudável dos diversos setores da propriedade e não somente daqueles ligados diretamente à qualidade do leite, como a saúde do úbere; a limpeza de ordenha; a manutenção de máquinas e equipamentos.
A reprodução do rebanho, pode não parecer, mas, em uma propriedade, tem tudo a ver com a produção de leite com qualidade e boa composição. Vamos observar o gráfico 1. Percebam que as fazendas que atendem à IN 62 têm um intervalo menor entre os partos do rebanho, 510 ante 557 dias, o que pode levar à maior proporção de vacas em lactação com relação ao total de vacas, 81% ante 76%.
A fim de compensar o maior intervalo entre os partos, as fazendas fora das normas esticam um pouco mais o período de lactação das vacas para que fiquem menos tempo sem produzir leite. Isso provoca o aumento do número de células somáticas, pois vacas com mais tempo em lactação tendem a produzir leite com contagem elevada de células somáticas. É uma estratégia tida como “vantajosa”, mas que parece não ser tão boa assim, pois o valor médio da CCS do grupo com menor intervalo de partos foi de 291 células por mililitro (x1000), ante 899 células por mililitro (x1000) do grupo com maior intervalo de partos. Dessa forma, a produção de leite por vacas em lactação por dia de intervalo de partos (L/ VL/dia de IP) também piora para esse grupo de produtores.
Enquanto o grupo em conformidade com a IN 62 tem 13,15 litros/vaca/dia de intervalo entre partos, o grupo em não conformidade tem 10,20 litros/ vaca/dia de intervalo entre partos. Este indicador conjuga a produtividade de leite das vacas com reprodução: quanto menor, pior. Percebam que a produção/dia de intervalo de parto do rebanho do grupo que não atende à IN 62 é33% menor do que a produtividade das vacas em lactação do mesmo grupo. Nas fazendas que atendem à IN 62 esta redução é menor (28%).
Mas será que o sucesso obtido com a qualidade do leite se converte em mais dinheiro no bolso do produtor? Vamos analisar o gráfico 2 para esclarecer essa dúvida. Esses dados comprovam que o lucro é o resultado das coisas bem feitas. Vejam que as fazendas que atendem à IN 62 ganham mais dinheiro com o negócio leite. Enquanto a margem líquida por vaca em lactação do grupo fora da IN 62 é de R$ 599/vaca em lactação, a média do grupo dentro da normativa é de R$ 1.382/vaca em lactação. Esse resultado elevou a rentabilidade do negócio leite para os produtores do grupo dentro da IN 62, pois alcançaram uma taxa de retorno do capital empatado na atividade leiteira de 6,25% ao ano, ante 2,61% ao ano do grupo fora da IN 62.
Portanto, os produtores que já atendem à norma produzem leite de qualidade superior, devido ao equilíbrio de desempenho nos vários setores da propriedade. Para esse grupo a atividade leiteira é melhor do ponto de vista econômico, enquanto o grupo que não consegue equilibrar corretamente os diversos setores das suas fazendas produz leite de qualidade inferior e não tem na atividade leiteira uma atividade econômica. O estimado leitor desta coluna, mesmo sabendo que o mais importante é o quanto sobra do total da renda no fim do ano e não somente o custo total de produção, ainda pode estar se perguntanperguntando: “Mas produzir leite com qualidade custa caro. Será que vale a pena?”
Percebam que o custo total de produção entre os dois grupos foi praticamente o mesmo, o que mudou foi o valor recebido por causa das bonificações por volume, qualidade e composição do leite. Nesta análise concluímos que não basta gastar, tem que saber gastar para que haja retorno. Chamamos a isso de eficiência na aplicação dos recursos, na hora certa e do jeito certo, para alcançarmos a melhor relação custo-benefício. Vejam que custo por custo foi praticamente o mesmo valor. Porém, um grupo gasta R$ 1,08 para produzir um litro de leite com qualidade muito superior ao outro grupo, que gasta R$ 1,09/litro para produzir um leite de qualidade inferior. Sendo assim, o binômio custo versus leite de qualidade é separado por uma sutil e tênue linha da eficiência.
Produzir leite com qualidade não se explica por ter mais ou menos recurso financeiro e, sim,por conhecimento, vontade, eficiência, desempenho e equilíbrio em todos os setores da fazenda. Um dado importante que também analisamos foi o volume médio de leite descartado pelos dois grupos. O grupo adequado à norma IN 62 descartou, por fazenda, em média, 1.219 litros/ano, no valor de R$ 1,22/litro, deixando de faturar R$ 1.487/ano.
O grupo inadequado à norma descartou menos, 823 litros/ ano, vendendo o leite a R$ 1,13/litro e deixando de faturar, em média, por fazenda, R$ 930/ano. Notem que o grupo que descartou mais em volume e renda foi o que ganhou mais. Por trás dessa aparente contradição, vem a sutileza da interpretação: quem descartou mais foi menos punido, pois o maior descarte se converteu em maior bonificação, tendo impacto direto e positivo no preço médio obtido porlitro de leite vendido.
Ainda existem produtores e técnicos que acreditam que não vale a pena investir em qualidade e que o adicional pago com o maior volume é muito superior às bonificações por qualidade. Em uma análise reducionista, este argumento poderia ter até um certo sentido, mas quando nos convencemos de que a qualidade do leite é somente um dos subprodutos para gerar lucro, e como subproduto deve ser correlacionado com os outros setores da propriedade para gerar o produto final que é o lucro com sustentabilidade, este argumento cai por terra.
Percebemos que o adicional por volume, quando analisado por vaca em lactação, é muito superior nas fazendas que atendem à IN 62 em relação aos que não atendem, R$ 103,99/vaca em lactação de diferença, pois produziram em média 1.530 litros/ dia, ante 1.290 litros/dia dos que não a atendem. Entretanto, esse fato não diminui a real importância da necessidade da eficiência em outros setores da propriedade.
Percebam que as fazendas dentro das normas IN 62 gastam menos R$ 62,04 com reprodução por vacas em lactação, gastam a mais com material de ordenha para obter leite com qualidade superior em R$ 40,45/vaca em lactação, tem um adicional por CBT e CCS de R$ 52,91 e R$ 58,46/vaca em lactação, respectivamente. Assim quando somamos todos os valores adicionais com o valor economizado nos gastos com reprodução e subtraímos do valor gasto a mais com material de ordenha, o valor é positivo em R$ 119,97 mais, por vaca em lactação, para o grupo dentro dos padrões da IN 62.
Portanto, quando somamos os resultados das taxas de sucesso de todos os setores de uma propriedade, sem considerar o adicional de volume, notem
que o resultado positivo desta interação, R$ 119,97/ vaca em lactação, superou o resultado obtido com o adicional de volume, R$ 110,53/vaca em lactação.
Enfim, podemos afirmar que produzir leite com qualidade é um bom negócio do ponto de vista técnico-econômico. Esse sucesso não deve ser atribuído somente aos bons resultados obtidos nos setores no que tange diretamente à obtenção de leite com qualidade mas, sim, ao perfeito equilíbrio entre todos os setores de uma propriedade que tem como objetivo desenvolver uma pecuária leiteira sustentável. Dessa forma, cada vez mais é necessário que as propostas do poder público, das empresas que compram leite, dos produtores de leite, da assistência técnica e dos consumidores sejam congruentes, de modo que a qualidade e a composição do leite sejam subprodutos do lucro sustentável, não somente na pecuária leiteira, mas também em toda cadeia do negócio leite no Brasil.

Fonte: Mundo do Leite 75 / http://www.portaldbo.com....-um-bom-negocio



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